quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A HISTÓRIA DE UMA TELEFONIA

A Rosalina morreu há alguns anos, Arlindo tinha partido mais cedo e no rescaldo das "grandes" heranças materiais que nos legaram quis eu para mim, apenas duas coisas: Um velho jarro de vidro azul, que jazia no velho aparador da sala do número 48 da rua Vasco da Gama, berço e pátria duma infância e juventude que douraram a minha caminhada, regida sempre pelos "outras heranças" que eles me deram: Deus, Pátria, Família. Aqui não há saudosismos nem Salazares! Deus, porque me encaminharam na defesa do bem, me integraram na fé cristã. Pátria, porque me apontaram o sentido da responsabilidade e a defesa do bem comum. Família, porque me ensinaram os valores cívicos para com a sociedade, do respeito pela irmandade, da obediência aos mais velhos. A segunda herança material que tive, foi uma telefonia, velha e desgastada pelo tempo, carcomida pela idade, que jazia queda e muda numa prateleira que Arlindo cravara na parede da cozinha, junto ao velho aparador. Desde os meus cinco, seis anos a magia e o sortilégio daquela pequena caixa varreram o meu crescimento. A minha primeira lembrança vem dos anos quarenta, quando no após guerra as sirenes tocavam pela noite e os holofotes percorriam os céus procurando aviões inimigos e todas as luzes se apagavam nas pequenas casas e os nossos olhos perscrutavam o vazio da escuridão. Era nessa altura que Arlindo ligava a telefonia e sintonizava a rádio Moscovo, que falava da luta do operariado, do fascismo do regime, da glória do comunismo. A família em surdina, sentava-se em redor do aparelho e escutava a voz da esperança. Depois noutras ocasiões a Emissora Nacional lançava, em programas do regime o slogan: Rádio Moscovo não fala verdade. Era a informação e a contra informação, era a defesa do regime do estado novo e e o ataque feroz das ideias comunistas. Na minha cabeça a informação ia-se acumulando. Noutras alturas Rosalina reunia a vizinhança na cozinha, para depois do almoço ouvirem o folhetim do Tide, episódios rádiofónicos a que chamávamos "a filha da coxinha" e que fazia chorar o mulherio levado pelas desgraças dos personagens. Eram os anos gloriosos da rádio: os parodiantes de Lisboa, os folhetins, o teatro declamado, a música rock em programas que me levavam as tardes de sábado de ouvido colado à telefonia. E almoçávamos ao som das notícias, e dançávamos ao som da música e ouvíamos os relatos do futebol e do hóquei em patins nos anos de ouro das selecções nacionais. E era o Artur Agostinho e o Amadeu José de Freitas que nos entravam casa dentro. E os discos pedidos e os programas de madrugada. E fomos crescendo e fomos à guerra e a telefonia sempre ali, dando notícias fazendo companhia. E casámos e partimos para outras paragens e a telefonia sempre lá, no mesmo sitio. E o Arlindo morreu e a Rosalina morreu e a telefonia morreu com eles, mas ficou lá, na mesma parede. Ao fim de mais de sessenta anos também partiu, veio ter comigo, ficou ali na minha sala, muda, mas não esquecida. Um dia, perto do Natal, peguei nela dei-lhe "banho", maquilhei-a, "vestia-a" com um papel festivo, e levei-a para a ceia de Natal na casa da Rita. Foi a minha prenda. E ali está na sala da Rita e do Gustavo, continua muda, mas se falasse quantas mais histórias ela não contaria?

PS. O Arlindo e a Rosalina eram como é óbvio os meus pais e foram os grandes alicerces da minha vida. A telefonia, que morreu num pequeno curto-circuito, foi parte importante da minha vida.

sábado, 9 de outubro de 2010

JUCA CHAVES E A CANÇÃO DO PORTA-AVIÕES

Brasil já vai a guerra, comprou um porta-avioes
um viva pra inglaterra de oitenta e dois bilhões
ahhhh! mas que ladrões

comenta o zé povinho,
governo varonil,
coitado coitadinho,
do banco do brasil
há há, quase faliu.

a classe proletária
na certa comeria
com a verba gasta diaria
em tal quinquilharia
sem serventia.

alguns bons idiotas,
aplaudem a medida,
e o povo sem comida,
escuta as tais lorotas
dos patriotas.

porém há uma peninha
de quem é o porta avião
é meu diz a marinha,
é meu diz a aviação
ahhhh! revolução!

Brasil, terra adorada
comprou um porta aviões
oitenta e dois bilhões
Brasil, oh pátria amada,
que palhaçada.

PORTUGAL- UMA BARRACA COM UM SUBMARINO À PORTA

Infelizmente não vi a entrevista que Frei Fernando Ventura deu na Sic Notícias há uns dias atrás. Mas felizmente que um amigo me enviou por email esse pequeno momento que todos os portugueses deveriam ver. Não conheço Frei Ventura, mas o seu discurso encantou-me. Falou da crise, de Portugal, dos portugueses, com uma clarividência fora do comum. Este país está no fundo, e não se vislumbra qualquer sinal, qualquer escada a que possamos deitar a mão. A classe política pouco rica de ideias mas rica noutras coisas, os ricos vêm de mansinho dizer que não são eles que têm de pagar a factura, os sindicatos querem aumentos e querem greves, os economistas vêm uns atrás dos outros às televisões e outros orgãos de comunicação dar uns bitaites. E o Zé? o Zé aguenta, mas já não sei até quando. Frei Ventura falou de tudo isto e muito mais. Há muitos anos Juca Chaves, um cantor popular do Brasil, fez uma canção sobre a miséria do seu país e do porta-aviões que os nossos irmão brasucas compraram para... nada. Frei Ventura lançou o mote: Portugal uma barraca com um submarino à porta. Quem se atreve a escrever uma canção?