quinta-feira, 30 de novembro de 2006

LANÇAMENTO DO LIVRO 1



Já sabia que tinha que falar, é da praxe o autor duma obra dizer alguma coisa para a plateia. Já sabia e por isso fico sempre aterrorizado com a situação, adoro a palavra escrita mas falar não é comigo, fico solene demais e não consigo ser tão fluente como desejo. Mas enfim alguma coisa teria de dizer e para isso andei uns dias a ensaiar um discurso curto, pensei numa das minhas conversas com o professor Albano Estrela em tempos idos porventura numa inauguração duma exposição de pintura em que dizia ao professor que gostaria de escrever um livro mas que não sabia se seria capaz, ao que Albano Estrela me respondeu «claro que é, clara que é». Mais tarde, quando do lançamento do meu primeiro livro de poesia e em frente ao professor lhe confessava com orgulho «pronto professor, já está» e ele, na sua imensa bondade respondeu «já está não, agora vai escrever outro e outro, isso já não pára». E claro ali estava eu com outro livro publicado, outro de poesia pronto para publicação, outro ainda de poesia já a meio, um romance começado e mais um ou dois na cabeça. Estava eu nestas cogitações quando surge a morte de Mário Cesariny e então pensei «porque não fazer uma homenagem a este pintor e escritor surrealista?» E então pensei num poema que falava:

de um porco que voa
com um livro na boca
duma casa com aves
de sóis e cometas
de ideais e ideias
de apitos e futebóis
de Sócrates e Platão
de um gato que ladra
dum cão que mia
mas o apito não apita
e a minha casa não pia
e no cometa, Sócrates as ideias e Platão
levam o porco pela trela
e o livro caindo de estrela em estrela
esbracejando, tenta esvoaçar.

E ia eu pela dez da noite na estação de sete rios, alinhavando estas palavras, quando na minha direcção vinha um rapaz novo, cego, de bengala em riste, apalpando o terreno, falando em voz alta, como que respondendo a alguém «não, não tenho vergonha de ser cego, tenho vergonha é de ser português!». Oh meu Deus e pensei eu que o meu poema era surrealista !
E depois da brilhante intervenção que o meu querido camarada e amigo Padre Rocha e Melo fez na apresentação do Livro, engoli o eu realismo, tranquei o surrealismo dentro de mim e minimalizei o discurso: Obrigado amigos.

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