quinta-feira, 31 de maio de 2007

"ÉRAMOS TODOS BONS RAPAZES"



Venho hoje, tardiamente reconheço, falar da apresentação do meu livro, cujo lançamento ocorreu no Museu da Cidade em Lisboa e daqui expressar os meus agradecimentos à Editora Indícios de Oiro. É evidente que sem o apoio do professor e amigo Albano Estrela e da minha querida amiga Ana Viana, jovem escritora e artista plástica, que gerem os destinos desta pequena mas importante editora, o livro e a sua apresentação não teriam o brilho que tiveram. Finalmente agradecer ao meu amigo e camarada Padre Luis da Rocha e Melo o brilhantismo da sua intervenção na apresentação do livro e cujas palavras passo a transcrever:



Éramos todos bons rapazes

A acção desta obra situa-se entre Outubro de 1967 e o fim do ano de 1969, em plena guerra colonial. O Batalhão de Artilharia 1924 formou-se em Torres Novas, umas semanas antes da partida e, no dia previsto, rumou na direcção de Luanda. Daí, para o Cuimba, entre S.Salvador e Maquela do Zombo, uma aldeia abandonada pelos colonos e ocupada então por militares portugueses.

Júlio Mira , autor deste livro, era um furriel miliciano que integrava a CCS (Companhia de Comandos e Serviços), e teria nessa altura vinte e poucos anos (já lá vão trinta e seis). Consegue, ao longo destas páginas, uma proza considerável: da de transformar a narrativa de uma guerra desumana e sem sentido num poema dramático que se lê ou se devora e se saboreia como se se tratasse de uma epopeia lírica. Mais do que narrar a aventura de 600 rapazes que partem obrigados para o desconhecido, onde o perigo espreita a cada curva da picada, faz entrar o leitor dentro dos sentimentos dos personagens, reais e simultaneamente simbólicos, protagonistas de um drama que não entendem mas têm de viver. "Éramos todos bons rapazes" e não tinhamos culpa nem responsabilidade do que se estava a passar, quando os ventos da história já sopravam ao contrário. Mas não tínhamos outro remédio: ali estávamos na saga de um batalhão metido à força na guerra de Angola.

Não faltam pormenores do que se passou ao longo desses dois anos e alguns meses. Há nomes concretos e situações verdadeiras. Mas como o bom poeta, Júlio Mira consegue transportar-nos para o comprimento da onda do universal, e fazer-nos experimentaro drama humano na sua profundidade. Medos, ansiedades, angústias que o desconhecido provoca, sobretudo se é perigoso, paliativos para os disfarçar, amizades quese criam, saudades e esperanças são apontados e tratados em perspectiva simbólica que pode ser aplicada à vida normal de todos os dias. Dois anos em tempo de guerra são para o autor uma espécie de flash do drama da existência, também ela cheia de tensões, de outra ordem, é verdade, mas não menos real.

A experiência descrita neste livro é bem vivida por protagonistas de carne e osso. O seu fascínio aparece, no entanto, quando o leitor descobre que os factos narrados são contexto e pretexto para ir ao fundo da experiência humana, e que a linguagem simbólica, inefável por natureza, o transporta ao indizível da existência, cheia de dramas e de alegrias, de incertezas e de energias escondidas, de medos e coragens, por vezes insuspeitáveis. O clima de guerra, sem inimigo visível que pode surgir a qualquer momento, a experiência vivida por um batalhão no norte de Angola que o autor compartilhou, foi o espaço que Júlio Mira escolheu para descrever o indescritível: a experiência limite de situações que fazem parte da humanidade. Um livro que vale a pena ler e reler.


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