O passamento de José Saramago .
Faleceu, dia 18-6-2010, o escritor José Saramago.
Neste blogue não se pratica a hipocrisia, nem a desumanidade.
Gostava pouco do escritor. Apreciava o facto de ser um autodidacta, porque as tertúlias literárias e o decisivo apoio da sua ex-companheira Isabel da Nóbrega - que não consta da sua enviesada biografia (refere-se uma «forte perseguição religiosa» como motivo para ter mudado para Espanha!), da enviesada Wikipedia em língua portuguesa -, não proporcionam a mesma formação do que a frequência da universidade. Não gostava da escrita, não por preconceito ideológico, mas por motivo estético. Faço uma excepção para o seu discurso formal de aceitação do Prémio Nobel. Na arte e na cultura, não adiro, nem me encanto, por afinidade ideológica, mas pelo conteúdo e pela forma. Não gosto da forma de Saramago: aborrece-me o seu pretensiosismo ostensivo, os seus períodos longos - era melhor nos períodos curtos, onde sobressaía a sua secura. E tenho consciência de que o seu indiscutível êxito nacional, e ainda maior, internacional deste escritor comunista se deveu ao Marketing capitalista...
E não gostava da sua figura política, nem do homem.
No homem, não gostava da sua arrogância e rispidez, só temperadas com a sua última fragilidade, nem das suas contradições. Embora não esperasse que o carácter dos artistas esteja à altura da sua produção estética. Menos ainda gostava da figura política, que foi, em Portugal e no estrangeiro, com maior projecção do que a de escritor, apesar de revoadas de mudança dos autores obrigatórios nos programas liceais portugueses.
Foi uma figura política de enorme relevo. Até na morte serviu ao poder dominante para atacar o Presidente da República - que promulgou dois dias de luto nacional e respeitou o homem, quando não cedeu à fácil hipocrisia de vir dos Açores, onde se encontrava, para o funeral de alguém que o odiava e desprezava (como «génio da banalidade»). Comunista já antes do 25 de Abril de 1974, de humanidade selectiva - chorava os milhares de mortos da Inquisição, mas não condenava, com ímpeto semelhante, o genocídio estalinista de milhões, nem o Gulag - como lembra o Osservatore Romano, «A omnipotência (presumida) do narrador». No tórrido verão de 1975, no revolucionário Diário de Notícias censor e saneador de 24 jornalistas, e ele próprio depois saneado, no 25 de Novembro. Excluído, em 1992, o seu livro «O Evangelho Segundo Jesus Cristo» da candidatura portuguesa ao Prémio Literário Europeu, pelo Sub-secretário de Estado António Sousa Lara, auto-exila-se na ilha canária de Lanzarote, para onde partiu amargurado com o Estado cavaquista e o povo e enamorado de sua nova mulher, a jornalista espanhola Pilar del Rio. Embevecidos, os espanhóis tratam-no como um dos seus, por causa da sua adesão ao iberismo mítico espanhol, que pretende Portugal uma rebelde província espanhola - e é por causa disso que se notou, no seu passamento, ainda maior comoção em Espanha do que em Portugal e que a vice-presidente do Governo espanhol, Maria Teresa Fernández de la Vega veio a Lisboa à cerimónia das suas exéquias, que reuniram no Paço do Concelho de Lisboa, a nova aliança política Costa-Jerónimo (para contrabalançar a aliança Sócrates-Louçã). Ganha o Nobel, em 1998, muito para além da sua escrita, sobre outros candidatos mais notáveis, porque era comunista, que a ingénua e tímida esquerda escandinava sempre admirou, e porque era um autor português, na sequência de uma campanha publicitária e de relações públicas, na Suécia, do primeiro Governo Guterres, em 1997. Vituperando o capitalismo, deve muito do seu sucesso ao conhecimento que ganhou no inominável Marketing (como expôs o Carlos Santos) literário e do negócio dos livros, no contacto com as tertútilas literárias; por isso, escolhia como temas dos seus livros questões em moda, pois sabia que atrairiam imediatamente atenção mundial. Produzia declarações violentas contra personalidades e temas contestados, o que lhe garantia ainda mais fama - embarcando também na onda anti-sionista (em contraste com um cuidadoso silêncio sobre o fundamentalismo islâmico). Tornou-se uma espécie de pré-clássico, mais aclamado do que lido, pois, para além dos fiéis leitores e dos jovens que o tiveram como autor obrigatório nos liceus, a sua difícil literatura é muito louvada por quem nunca completou um dos seus livros ou sequer leu uma linha do que aí escreveu. Apreciado como uma espécie de último abencerragem da esquerda ortodoxa, pelos comunistas e socialistas, conseguiu o aplauso do campo ateísta, onde se reuniu a frente popular dos vencidos do marxismo - daí também a sua veneração no Brasil. E, no entanto, acho que, na sua repulsa, tinha uma funda atitude religiosa, precipitada no caldo de ódio-amor em que fervia a sua angústia.
Saramago morreu. Cada vez que morre um homem, com exclusão dos tiranos - e, nem mesmo aí, o homem tem a função do juízo último de Deus -, morre um pouco da humanidade. Portanto, apesar de lamentar o mal que o seu comunismo, o seu ateísmo e o seu iberismo, provocaram no mundo, condôo-me com a sua morte. A vida terrena é apenas um trânsito, enquanto não chegamos ao eterno sossego. Descanse em paz!
E não gostava da sua figura política, nem do homem.
No homem, não gostava da sua arrogância e rispidez, só temperadas com a sua última fragilidade, nem das suas contradições. Embora não esperasse que o carácter dos artistas esteja à altura da sua produção estética. Menos ainda gostava da figura política, que foi, em Portugal e no estrangeiro, com maior projecção do que a de escritor, apesar de revoadas de mudança dos autores obrigatórios nos programas liceais portugueses.
Foi uma figura política de enorme relevo. Até na morte serviu ao poder dominante para atacar o Presidente da República - que promulgou dois dias de luto nacional e respeitou o homem, quando não cedeu à fácil hipocrisia de vir dos Açores, onde se encontrava, para o funeral de alguém que o odiava e desprezava (como «génio da banalidade»). Comunista já antes do 25 de Abril de 1974, de humanidade selectiva - chorava os milhares de mortos da Inquisição, mas não condenava, com ímpeto semelhante, o genocídio estalinista de milhões, nem o Gulag - como lembra o Osservatore Romano, «A omnipotência (presumida) do narrador». No tórrido verão de 1975, no revolucionário Diário de Notícias censor e saneador de 24 jornalistas, e ele próprio depois saneado, no 25 de Novembro. Excluído, em 1992, o seu livro «O Evangelho Segundo Jesus Cristo» da candidatura portuguesa ao Prémio Literário Europeu, pelo Sub-secretário de Estado António Sousa Lara, auto-exila-se na ilha canária de Lanzarote, para onde partiu amargurado com o Estado cavaquista e o povo e enamorado de sua nova mulher, a jornalista espanhola Pilar del Rio. Embevecidos, os espanhóis tratam-no como um dos seus, por causa da sua adesão ao iberismo mítico espanhol, que pretende Portugal uma rebelde província espanhola - e é por causa disso que se notou, no seu passamento, ainda maior comoção em Espanha do que em Portugal e que a vice-presidente do Governo espanhol, Maria Teresa Fernández de la Vega veio a Lisboa à cerimónia das suas exéquias, que reuniram no Paço do Concelho de Lisboa, a nova aliança política Costa-Jerónimo (para contrabalançar a aliança Sócrates-Louçã). Ganha o Nobel, em 1998, muito para além da sua escrita, sobre outros candidatos mais notáveis, porque era comunista, que a ingénua e tímida esquerda escandinava sempre admirou, e porque era um autor português, na sequência de uma campanha publicitária e de relações públicas, na Suécia, do primeiro Governo Guterres, em 1997. Vituperando o capitalismo, deve muito do seu sucesso ao conhecimento que ganhou no inominável Marketing (como expôs o Carlos Santos) literário e do negócio dos livros, no contacto com as tertútilas literárias; por isso, escolhia como temas dos seus livros questões em moda, pois sabia que atrairiam imediatamente atenção mundial. Produzia declarações violentas contra personalidades e temas contestados, o que lhe garantia ainda mais fama - embarcando também na onda anti-sionista (em contraste com um cuidadoso silêncio sobre o fundamentalismo islâmico). Tornou-se uma espécie de pré-clássico, mais aclamado do que lido, pois, para além dos fiéis leitores e dos jovens que o tiveram como autor obrigatório nos liceus, a sua difícil literatura é muito louvada por quem nunca completou um dos seus livros ou sequer leu uma linha do que aí escreveu. Apreciado como uma espécie de último abencerragem da esquerda ortodoxa, pelos comunistas e socialistas, conseguiu o aplauso do campo ateísta, onde se reuniu a frente popular dos vencidos do marxismo - daí também a sua veneração no Brasil. E, no entanto, acho que, na sua repulsa, tinha uma funda atitude religiosa, precipitada no caldo de ódio-amor em que fervia a sua angústia.
Saramago morreu. Cada vez que morre um homem, com exclusão dos tiranos - e, nem mesmo aí, o homem tem a função do juízo último de Deus -, morre um pouco da humanidade. Portanto, apesar de lamentar o mal que o seu comunismo, o seu ateísmo e o seu iberismo, provocaram no mundo, condôo-me com a sua morte. A vida terrena é apenas um trânsito, enquanto não chegamos ao eterno sossego. Descanse em paz!
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