POEMA ONZE
não sei se teria espelho na altura, nem sequer, se o tivesse,
pudesse chegar a ele e ver a minha imagem refletida.
Como seria o meu sorriso olhando os meus caracóis loiros
que contemplo agora nesta fotografia a preto e branco corroída pela tempo.
Como seria o meu olhar, azul como o azul do rio que inundava as minhas brincadeiras,
quando a desgraça calava a vontade e desmoronava os sonhos.
Como seria o meu andar, quando o corpos inquinados de inquietudes
zarpavam mar adentro.
era menino eu sei, e não sabia nada.
Apenas ouvia a voz calada dos trabalhadores no bulício das tabernas
apenas sentia o tom agreste da miséria, gritada pelos homens
no silêncio da noite.
Era menino e nada sabia, e menino bebi palavras novas que mal podíamos soltar ao vento
eram palavras encarceradas, escondidas nas entrelinhas, dos livros passados de mão-em-mão
eram pássaros que esvoaçavam na primavera da minha vida.
Era menino e de nada sabendo, fui aprendendo.
Fui menino berço, menino escola, menino guerra.
Hoje, tenho espelho, mas tenho vergonha de me olhar nele
O meu olhar continua azul mas o rio onde me revejo não tem cor
o meu andar, é firme,mas o solo que eu piso é movediço
e os corpos mutilados, prenhes de promessas continuam a zarpar mar fora
e hoje eu sei tudo, nós sabemos tudo, mas engolimos o tom agreste da miséria
no bulício dos centros comerciais.
Não há hoje palavras escondidas nas entrelinhas, mas no silêncio das nossas noites agitadas
ainda há palavras encarceradas.
Presente de Páscoa
Há 13 anos
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