sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

POEMA ONZE




não sei se teria espelho na altura, nem sequer, se o tivesse,
pudesse chegar a ele e ver a minha imagem refletida.
Como seria o meu sorriso olhando os meus caracóis loiros
que contemplo agora nesta fotografia a preto e branco corroída pela tempo.
Como seria o meu olhar, azul como o azul do rio que inundava as minhas brincadeiras,
quando a desgraça calava a vontade e desmoronava os sonhos.
Como seria o meu andar, quando o corpos inquinados de inquietudes
zarpavam mar adentro.
era menino eu sei, e não sabia nada.
Apenas ouvia a voz calada dos trabalhadores no bulício das tabernas
apenas sentia o tom agreste da miséria, gritada pelos homens
no silêncio da noite.
Era menino e nada sabia, e menino bebi palavras novas que mal podíamos soltar ao vento
eram palavras encarceradas, escondidas nas entrelinhas, dos livros passados de mão-em-mão
eram pássaros que esvoaçavam na primavera da minha vida.
Era menino e de nada sabendo, fui aprendendo.
Fui menino berço, menino escola, menino guerra.
Hoje, tenho espelho, mas tenho vergonha de me olhar nele
O meu olhar continua azul mas o rio onde me revejo não tem cor
o meu andar, é firme,mas o solo que eu piso é movediço
e os corpos mutilados, prenhes de promessas continuam a zarpar mar fora
e hoje eu sei tudo, nós sabemos tudo, mas engolimos o tom agreste da miséria
no bulício dos centros comerciais.
Não há hoje palavras escondidas nas entrelinhas, mas no silêncio das nossas noites agitadas
ainda há palavras encarceradas.

Sem comentários: